Se recuarmos há década de 1920 nos Estados Unidos da América, conseguimos chegar à origem dos speakeasy. Na altura, a proibição de produção e venda de álcool levou as pessoas a adaptarem as caves, quartos traseiros e outros espaços, à produção e venda deste produto. Uma palavra domina este conceito: o sigilo. Quanto ao nome, há quem diga que “speakeasy” era uma espécie de senha utilizada para entrar, para outros, a génese tem a ver com a discrição.
Vários anos depois, este conceito renasceu sobretudo através de cocktail bares, criando um ambiente acolhedor e mais intimista. No fundo, são espaços difíceis de encontrar, só se revelam para os mais determinados e os cocktails têm um sabor digamos, proibido. Se gosta deste tipo de conceitos, temos boas notícias. Esta terça-feira, 11 de março, abriu um novo speakeasy, que de proibido tem pouco.
O Apotecário é o novo projeto do bartender natural de Vila Nova de Gaia, Pedro Duarte. Mais do que um cocktail bar ou speakeasy, trata-se de um verdadeiro laboratório de sabores, onde os ingredientes frescos e sazonais “dão vida” a criações únicas, renovadas diariamente. Com inspiração na ligação entre Portugal e a Ásia, o jovem de 32 anos trabalha com produtos locais, muitos deles cultivados numa quinta própria do outro lado da ponte, em Gaia.
A era das redes sociais pode tornar difícil o sigilo que é exigido no conceito de um speakeasy. Por isso mesmo, a New in Porto não revelará a forma como pode lá entrar. Deixamos esse desafio para si. Até lá, podemos contar-lhe o que inspira a criação deste espaço e o que poderá encontrar por lá se conseguimos despertar a sua curiosidade.
O Apotecário insere-se noutro projeto de Pedro, o Curioso, cocktail bar que já é uma referência na cena noturna portuense, próximo da Ribeira, na Baixa do Porto. “Antigamente, o Curioso correspondia a três pisos e o bar encontrava-se neste andar subterrâneo. Porém, por uma questão de direção e sentido, conseguimos encaixar o bar de outra forma. Como este espaço ficou disponível, considerámos que fazia sentido aproveitar o seu potencial de uma diferente”, começa por explicar o mixologista à NiP.
Antes do espaço ser um cocktail bar, funcionou como uma loja de venda de azeite a granel. Antes disso, há 300 anos, foi um mosteiro. Se estiver atento, reparará que as janelas de todo o edifício que recebe o Curioso e, agora, o Apotecário, ainda são da altura do mosteiro. Toda a inspiração por detrás deste novo conceito gira em torno das antigas farmácias e botecários.
“Um apotecário, no grosso da palavra, era aquela pessoa que quando te doía a cabeça procurava ervas e outros produtos de origem natural e criava infusões e ‘medicamentos’ naturais para curar qualquer dor. É isso que eu faço aqui, só que em formato de cocktails”, afirma.
Num mercado em que cada vez se compram mais produtos, o bartender que já venceu grandes competições de mixologia a nível nacional e internacional quer fugir à tendência de ter mais volume, ou seja, fazer tudo a partir de pré-bases, colocar tudo dentro da garrafa e misturar xaropes industrializados. Pelo contrário, quer fazer aquilo que as cozinhas portuguesas, de uma forma geral, propõem: trabalhar o produto da época.
Todos os ingredientes e produtos trabalhados no Apotecário são exclusivamente desta época, com exceção de alguns elementos que estão em técnicas de maior durabilidade. Nesse sentido, encontra tanto vegetais como frutas da época a “alimentar” a sua bebida. É, no fundo, gastronomia no seu estado líquido. À mistura, encontra também alguns apontamentos e ingredientes asiáticos.
Quando entrar no Curioso Bar, será direcionado para o piso inferior, escondido por detrás de uma cortina. Uma vez lá, vai deparar-se com dezenas de gavetas, que remetem para o conceito de venda de azeite a granel para quem possa ter memórias dessa época mas, ao mesmo tempo, faz lembrar os antigos boticários, farmácias e mercearias antigas, onde as especiarias, ingredientes e remédios naturais se guardavam em prateleiras. Encontra ainda uma caixa de primeiros socorros e o desafio é descobrir entre a caixa e as gavetas onde se esconde o botão que abrirá a entrada para o Apotecário.
No interior existe uma grande mesa em forma de “U”, com capacidade para até 12 pessoas. No topo, encontra o balcão onde Pedro vai fazer as mais diversas criações para a noite. O ambiente do espaço é completamente intimista, com apontamentos que o fazem sentir-se em casa, mas também que o podem levar numa pequena viagem até à Ásia.
“A experiência está muito direcionada para a individualidade. É uma espécie de espaço a pensar em ti e naquilo que tu sentes. Num bar, o bartender não é suposto ‘obrigar-te’ a beber uma certa bebida, mas estabelecer uma relação contigo. Perceber como estás, como foi o teu dia e a partir daí sugerir alguma proposta. Dês ou não abertura para estabelecer uma conversa mais alongada, um bom profissional saberá oferecer-te a bebida certa de acordo aos teus gostos e o que estás a sentir. Isso é o que quero fazer aqui”, defende Pedro.
Outra missão do jovem bartender é trazer conforto, assumindo este seu novo conceito como um refúgio no meio da vida agitada do Porto. É por isso que os clientes são recebidos com uma infusão, feita com ingredientes que ele próprio prepara no espaço e que vão variando diariamente. A equipa da New in Porto foi recebida com uma infusão de ortiga branca e hortelã-morisca, a uma temperatura mais tépida.
Quanto aos cocktails, não existe uma carta em si com propostas para escolher, ou seja, há uma espécie de menu que explora um pouco o conceito do espaço. Depois, encontra apenas folhas de cores. Roxo, vermelho, azul e verde são algumas das tonalidades presentes. “A parte divertida é que a carta não é inspirada em cores, mas na psicologia das cores. Sou daltónico e isso fez com que durante toda a minha vida nunca tenha conseguido ver as cores da mesma maneira que os outros, mas a forma como eu as sinto é similar, isso é o que me aproxima das pessoas”, admite.
Nesse sentido, o bartender desafia-o a escolher uma cor, considerando como está a sentir-se nesse momento. Se teve um dia bom ou menos bom, o que é que essa cor representa para si e por aí fora. Depois, convém também esclarecer que tipo de cocktails gosta, sabores mais cítricos, doces, bebidas mais leves ou encorpadas. Depois, é deixar que Pedro faça uma criação pensada exclusivamente em si.
Os ingredientes dos cocktails são à base de produtos da época. De momento, pode encontrar muitas bebidas com elementos como tomate, tangerina, cogumelos ou kiwis. Pedro usa o método de lactofermentação, que consiste em tornar estes ingredientes em conserva, numa técnica que se caracteriza pela ausência de oxigénio. Tal aposta permite criar diferentes versões de um mesmo ingrediente, seja um xarope, uma conserva ou pó. Nesse sentido, consegue aproveitar todos os componentes de um mesmo produto e, em simultâneo, experimentar ao máximo os sabores do mesmo.
Desta forma, a sua experiência no Apotecário será sempre diferente e, mesmo que vá com amigos, todos vão ter cocktails diferentes. Nunca vai beber o mesmo cocktail duas vezes, a não ser que goste muito de uma criação e deseje repetir. É importante referir que apenas pode conhecer o espaço sob reserva prévia e as mesmas são geridas de modo a que as pessoas possam ter uma experiência personalizada e não se cruzem reservas entre si.
Os cocktails custam 15€ e são sempre acompanhados por pequenos snacks salgados ou doces, criados também por Pedro, e que melhor acompanhem a bebida que está a propor. A estação de metro de São Bento fica a poucos passos do novo speakeasy do Porto.
