comida

Rita Magro é a jovem chef do momento: “Os homens continuam a olhar para nós como menos capazes”

Aos 28 anos, já subiu por duas vezes ao palco da Michelin: foi Jovem Chef do Ano e ajudou a agarrar a primeira estrela do Blind.
Tem 28 anos e lidera a cozinha do Blind.

Não é fácil a vida de uma mulher numa cozinha profissional, muito menos no patamar onde se disputam estrelas e galardões. Só em 2025, uma mulher conquistou pela primeira vez, em Portugal, a honra máxima do Guia Michelin. Mas nesse mesmo dia, uma jovem seguia-a de perto e subiu ao palco para, também ela, receber uma estrela.

Aos 28 anos, Rita Magro gere o dia a dia na cozinha do Blind, o novo espaço portuense estrelado e que conta com o chef Vítor Matos no comando. Foi ele quem fez questão de levar Rita ao palco para também ela receber os merecidos aplausos. Uma conquista que foi tudo menos fácil. “Sinto que já fui muitas vezes olhada de forma inferior e quase como burra por ser mulher na cozinha”, confessa à NiT a cozinheira de Coimbra, que não subiu ao palco da gala Michelin pela primeira vez.

Fê-lo há um ano, no dia em que recebeu o prémio de Jovem Chef do Ano. De lá para cá, aprofundou o trabalho no Blind, que conduziu à entrega da estrela na gala de 25 de fevereiro. Mas Rita Magro nunca foi um daqueles prodígios que sempre adorou cozinhar. Pelo contrário. O interesse pela cozinha começou mais tarde, já no final da adolescência, motivado pelo irmão mais velho, Marco André. Mais do que fazer, Rita gostava era mesmo de comer.

“Aos cinco anos, o meu lanche favorito sempre que ia visitar os meus avós era um tomate coração de boi temperado. A minha mãe ficava admirada e entusiasmada só de me ver comer”, conta à NiT. Embora tivesse gostos “requintados” para a idade, nunca equacionou fazer carreira na cozinha. Optou por seguir um curso de Ciências no secundário, convicta que iria fazer o percurso comum e encontrar algo que gostasse antes da faculdade.

Sem qualquer referência na família ligada à restauração, acabou por ser o irmão, que adorava “fazer experiências na cozinha”, a despertar-lhe a curiosidade. “Aos 16 anos sentia-me perdida com o que queria fazer com a minha vida. Desleixei-me na escola porque não me fazia sentido continuar e estava ansiosa com o futuro. No 11º ano percebi que a cozinha podia ser um caminho. Pesquisei tudo o que poderia fazer, onde estudar, criei uma lista de referências. No final do secundário fiz um curso na Escola de Hotelaria de Coimbra”, lembra.

Terminado o curso, fez um primeiro estágio no Villa Vita Park and Resort e acabou por ser convidada para fazer parte da equipa. Os meses passados no Algarve foram “mega importantes na carreira”. Foi ali que percebeu que a cozinha de excelência e requintada a fascinava e começou a direcionar o percurso profissional.

Ao fim de oito meses, com saudades de casa, começou a procurar emprego no centro e norte do País e rumou a Aveiro, até ao Salpoente. “Estive dois anos com o chef Duarte [Eira]. Fazíamos coisas muito interessantes e engraçadas e foi lá que conheci o chef Vítor Matos, num evento em que convidamos vários profissionais. Eu já era fã e no final da noite estava fascinada com o trabalho dele. E ele também gostou do meu profissionalismo. Lembro-me que na altura me disse que um dia íamos trabalhar juntos.

Naturalmente, que na ocasião Antiqvvm, do chef Vítor Matos. Por coincidência tinha aberto uma vaga para a equipa e a jovem de Coimbra foi então chamada para a preencher.

Embora se tivessem entendido bem à primeira, Rita nunca tinha trabalhado num espaço com estrela Michelin, mas considera que teve sorte pela escola que tinha. “O chef Duarte tinha trabalhado o Vítor, então já conhecia algumas das técnicas e métodos”, diz. “Ainda assim, no início não foi fácil. Tive de me adaptar e não acertei em tudo à primeira, mas dediquei-me e comecei a perceber o que o chef gostava e ele começou a ganhar confiança. E quando isso acontece ele dá oportunidades.”

Foi assim que surgiu o projeto do Blind. Rita Magro ainda estava no Antiqvvm quando o chef lhe desvendou o que estava a preparar. Falou-lhe de um novo conceito, com uma cozinha que segui a linha do restaurante portuense, mas “mais direta”. O objetivo seria “oferecer uma experiência”. Em 2020, quando abriram o espaço, a jovem assumiu o projeto como sub-chef e mais tarde surgiu a promoção a chef.

O dia a dia de uma chef

A oportunidade mudou a vida de Rita Magro. Tem de dividir a atenção entre a parte burocrática de um restaurante, como as encomendas, as contas e inventários e aquilo que mais gosta de fazer: estar na cozinha. “Adoro cozinhar e gosto de estar presente para a minha equipa, por isso tento organizar-me para deixar essas tarefas mais administrativas para os tempos livres. Assim posso dedicar-me a cozinhar”, refere.

Atualmente, lidera uma equipa com sete pessoas que, em conjunto com o chef Vítor Matos, ajudaram a que o Blind recebesse a primeira estrela Michelin. Sobre o momento em que ouviu finalmente a decisão do Guia, Rita Magro descreve como “um alívio”. “Era uma coisa para a qual trabalhamos. Temos um nível de cozinha exímio, pratos que cumprem os standards do fine dining e, achamos da Michelin, por isso sabíamos que fazia sentido. No momento só conseguiu pensar: ‘bolas, valeu a pena’ e só imaginei a felicidade da equipa”, lembra.

A distinção chegou após uma “pequena” mudança em outubro de 2023, que Rita acredita que fez toda a diferença. “Há um ano e meio decidimos mudar o horário do Blind. Passámos a fechar aos domingos e segundas e só a fazer jantares. Assim a equipa não faz horas extras e têm duas folgas semanais fixas. Isso ajudou a que tivéssemos maior qualidade de vida, estabilidade e foco. Tudo se alinhou para que o serviço ficasse mais equilibrado e os resultados são visíveis”, declara.

Quando não está na cozinha do Torel Palace Porto, gosta de estar a ler e a aprender sobre a área. No entanto, não esconde que precisa de espairecer e adorar praticar exercício físico. Joga ténis, embora reforce que não é uma grande atleta. O dia de folga perfeito inclui ainda um concerto e um jantar num novo restaurante. Sempre que consegue viaja até Coimbra para rever a família e comer uma sopa da mãe ou da avó, que garante que tem um sabor especial. Se falarmos em pratos principais, a escolha recai para um arroz de marisco “com camarões, lulas e amêijoas”, se estiverem “no ponto”.

Em casa também cozinha, mas prefere propostas mais simples e que demorem pouco tempo a fazer. Normalmente nunca sabe o que preparar, por isso deixa ao critério dos convidados. A única coisa que não lhe podem pedir é que não use cebola ou alho para cozinhar. “Fizeram-me esse pedido algumas vezes em diferentes espaços por onde passei e a primeira coisa que penso é que é inusitado. Como é que se faz cozinha portuguesa sem esses ingredientes? Mas claro que tento aceder, sobretudo se for com antecedência”, refere.

Desafios de uma jovem mulher na cozinha

Rita Magro reúne características pouco comuns na alta cozinha: é mulher e jovem. Com apenas 28 anos, tem uma carreira invejável e trabalha num nível a que poucos conseguem chegar. Mas isso não a assusta. “Sempre desenhei um percurso com o objetivo de chegar a este patamar. Nunca estive perdida pela cozinha e sempre escolhi o trabalho a pensar no crescimento. Mas claro que ser mulher e jovem, não facilita.”

“Lembro-me de ser a única mulher na equipa. Olhavam para mim como se fosse burra. Sentia-me inferior”

Sobre ser mulher neste meio, a chef admite que não é fácil. “Nas cozinhas do chef Vítor Matos não há discriminação, de todo, e eu sempre tive sorte porque nunca ter passado, noutros locais, por situações dramáticas. Mas há quem passe. Os homens continuam a olhar para nós como menos capazes”, diz. “Lembro-me de quando cheguei ao Salpoente ser a única mulher na equipa e olhavam-me como se fosse burra. Tentavam-me explicar tudo, como se eu não soubesse. Sentia-me inferior. Mas acho que o caso muda de figura, para pior, quando homens têm mulheres em posições superiores. Não gostam.”

Como não lida com estas situações há muito tempo, Rita Magro tem tempo para se dedicar ao que gosta: a criatividade. Gosta de tentar desmistificar a cozinha fine dining. “Portugal tem imenso talento, mas acho que ainda temos de abrir a mente para este tipo de cozinha. Ainda olham muito de lado para o fine dining. É possível usar a base do nosso receituário e elevá-lo ao nível Michelin. Uma coisa não invalida a outra e este preconceito tem de desaparecer.”

No futuro espera ter o seu próprio espaço e continuar a tentar mudar essa mentalidade. “Tenho um conceito pensado, mais descontraído, onde possa ter uma cozinha aberta para falar com os clientes enquanto faço as preparações. O objetivo é ter 100% liberdade na criatividade e servir comida com sabores no ponto, apresentação requintada e cheia de técnica”, revela.

Para já continua focada e dedicada ao Blind até porque não têm surgido boas oportunidades de negócio no Porto, por onde se quer manter, pelo menos por agora.

 

MAIS HISTÓRIAS DO PORTO

AGENDA