Nos últimos anos, o preço das rendas e da compra e venda de imóveis tem vindo a crescer, sem travões que abrandem a situação. No centro do problema estão os pequenos negócios tradicionais, com anos — alguns com quase um século — de história, a ficar no limbo.
À lista junta-se uma loja histórica a funcionar desde 1929 e que, 95 anos depois, continua aberta. Do outro lado, encontra-se um senhorio, dono do prédio que está na família há quatro gerações, que pretende desocupar o imóvel para vendê-lo com maior facilidade. Os responsáveis pela icónica Cafezeira, na Rua de Costa Cabral, não sabem o que fazer para garantir a sobrevivência do negócio.
No passado domingo, 20 de outubro, o jornal “Público” avançou que o proprietário do imóvel planeava vender o prédio para dar início a um projeto que inclui espaços comerciais no rés do chão (como já existe atualmente). A mesma publicação revelou que o proprietário já submeteu um pedido de informação prévia (PIP) na Câmara do Porto, a dar conta do projeto que poderá dali nascer.
A loja é conhecida pela venda de café, chá e especiarias a granel, sendo certificada pela autarquia até 2027, estando integrada no programa Porto de Tradição desde outubro de 2022. O proprietário admite que prefere que a loja em questão esteja vazia, apesar de a Cafezeira ter sido classificada como espaço protegido pelo programa municipal Porto de Tradição. A atribuição deste selo significa que, até 2027, a loja deverá permanecer aberta, no local onde se encontra atualmente. Só depois desse ano é que poderá ser aplicado um Novo Regime de Arrendamento Urbano.
“O encerramento do negócio não está em discussão, mas a dificuldade de encontrar um novo espaço com renda acessível está a ser um grande obstáculo. Estamos a considerar a possibilidade de mudar, mas sair das proximidades da Praça do Marquês do Pombal não é uma opção desejada”, admitiu Alcinda Dias, responsável pela mercearia, citada pelo “Público”.
A responsável deu exemplos de espaços que vai encontrando com “preços astronómicos”, seja para comprar ou alugar. Alcinda confessou que tem recebido todo o tipo de sugestões de clientes que não querem que a loja encerre.
O proprietário teria manifestado a sua intenção de vender o imóvel há dois anos, tendo havido conversas entre ambas as partes, sem nenhum tipo de consenso alcançado, tal como revela “Porto Canal”. O mandatário do proprietário terá enviado, no verão deste ano, um aviso de que o caso iria seguir para a justiça.
A responsável ainda acrescenta: “Não estamos em guerra com ninguém. Entendo a posição deles, mas também, por favor, entendam a nossa. Simplesmente precisamos de tempo para encontrar outro sítio que se enquadre naquilo que podemos ter”.
Segundo o “Público”, que chegou ao contacto do proprietário, as condições para que a Cafezeira saísse do espaço não foram aceites e o prédio continua à venda, sendo que o caso não seguiu para tribunal.
Apesar de terem passado 95 anos, a Cafezeira consegue manter o seu ambiente de tradição e, quem por lá entra, consegue senti-lo. O espaço mantém-se limpo e organizado, como desde o primeiro dia, com o aroma do café moído na hora, misturar-se com o cheiro das cerca de 90 variedades de chá que se encontram nas prateleiras e armários de madeira.
Balanças antigas e provérbios eternizados em azulejos, fazem parte da decoração do local, bem como sacos de serapilheira pousados no chão. E, como é típico em qualquer negócio centenário na cidade, não faltam as fotografias antigas afixadas na parede, a relembrar tempos que já não voltam. Em destaque, está o letreiro com o antigo nome do espaço, “O Chinêz”.
O estabelecimento é um negócio feito a pensar nas famílias, sobretudo das freguesias de Bonfim e Paranhos, recebendo diariamente locais e vizinhos, que não dispensam de comprar o essêncial, por mais mínimo que seja, na Cafezeira.
Foi fundada em 1929 e comprada em 1985 pelos pais de Alcinda que mantiveram a loja como foi pensada originalmente, para ser uma mercearia fina.
Ainda que o café seja o grande protagonista, nos últimos anos, e para atender as necessidades do mercado, passaram a vender-se produtos como sementes, frutos secos como figos pingo de mel, do Douro, turco avelã, uva, coríntios, ameixa com e sem caroço, tâmaras, pinhão, entre outros, bem como frutos desidratados.