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A ilustradora portuense que fez do Hulk um influencer e que adora criar plot twists

Não há filme que escape às reviravoltas humorísticas de Carla Rodrigues, a artista que desenha comics nos tempos livres.
Onde está o Robin para o acordar?

Carla Rodrigues, 38 anos, ainda se lembra das tardes passadas sentada na escrivaninha do avô Luís a vê-lo desenhar. De como achava incrível o lápis a passar pelo papel e em como as suas linhas criavam “coisas mágicas”, que depois ganhavam vida com a cor que o pincel espalhava. Apesar de, na altura, ter apenas três anos, já era uma miúda atrevida e não tinha vergonha de lhe pedir para fazer todo o tipo de rabiscos.

“Desde cachalotes, a animais, eu pedia de tudo. O meu avô tinha a maior paciência do mundo e desenhava [risos]. Levo essas memórias para a vida porque, infelizmente, ele morreu cedo”, conta à New in Porto. Entretanto, Carla cresceu e nunca deixou de lado tudo o que o avô lhe ensinou, na pequena escrivaninha. Mas acabou por envergar por outros caminhos.

“Pensei em seguir a opção de Artes, no ensino secundário, mas ainda existia aquela questão dos pais acharem que é uma área que não tem saídas”, confessa. A portuense acabou por se formar em Biologia, tendo licenciatura e mestrado na mesma área, mas rapidamente percebeu que essa não era a sua verdadeira paixão.

Apesar de nunca ter “abandonado o gosto pelo desenho, nem o hábito de o fazer regularmente”, também não seguiu por essa área. Começou por trabalhar numa agência de comunicação como gestora de projetos e atualmente tem a mesma função numa consultora. Já a arte, é apenas um hobby.

A artista.

“A arte ocupa um espaço muito especial na minha vida. É graças a ela que consigo desligar dos stresses do trabalho e canalizar essa energia para a parte criativa”. Ainda que tenha pouco tempo para exprimir esse seu lado, é o suficiente para criar compostas e engraçadas narrativas.

Carla sempre teve especial paixão pela banda desenhada. Sempre se “fascinou com o facto de este meio visual conseguir contar histórias”. “Ao contrário do que muitos pensam, não é nada fácil. Muitas vezes, é considerada uma arte menor, mas tem muito que se lhe diga”.

O ritmo das narrativas e a complexidade dos cenários e personagens que via, nas revistas da Disney, da “Turma da Mónica”, dos super-heróis da Marvel, e noutras que os pais lhe compravam, sempre a motivaram a criar as suas próprias histórias. Começou por rabiscar os mesmos protagonistas que via nesses enredos, o que acabou por levá-la a conhecer outros artistas do meio, que lhe abriram portas para um mundo que desconhecia.

“Comecei a conversar com pessoas da área da banda desenhada em Portugal, que estavam ligadas através de fanzines e publicações independentes. Alguns tinham projetos mais curtos, outros mais longos, mas é um meio que continua a fascinar-me e a surpreender-me”.

Em 2009, fez a primeira publicação numa fanzine, quando deu vida à história criada pelo argumentista André Oliveira, o seu “padrinho na entrada do mundo da banda desenhada”. No mesmo ano, co-fundou “A Garagem de Kubrick”, um projeto de “desvaneios, alucinações e rabiscos sobre cinema e ‘cenas geek'”. Nunca pensou que as tiras que fazia esporadicamente tivessem tanto sucesso, mas já há 14 anos que as faz.

Esta é só para quem consegue ficar acordado a noite inteira.

“Não me lembro de outro projeto de webcomics em Portugal ter durado tanto tempo”, revela. Carla recorda o momento em que a ideia surgiu. “Estava a conversar com o meu amigo JB Martins [que escreve críticas de filmes na Internet] e ambos gostamos de cinema e banda desenhada. Então, pensámos em juntar os dois e criar uma narrativa que chamasse tanto os fãs de cinema, como os de banda desenhada”.

Foi assim que nasceu “A Garagem de Kubrick”. Algumas tiras chegaram a ser publicadas na revista britânica “Total Film”, fundada em 1997, quando ela ainda distribuía para Portugal, depois passaram para o online e é aí que resta o seu legado. Através do Instagram, Carla e JB divertem-se a introduzir o humor na cultura cinematográfica, nomeadamente ao fazer Paul Atreides, do filme “Dune” (2020), cantar “Dunas”, o sucesso da banda GNR, e ao tornar Hulk, o super-herói da Marvel, num verdadeiro influencer.

Carla tem muito orgulho no projeto que criou, mas ainda há algo que gostava de fazer. A ilustradora de comics tem o “sonho utópico” de publicar algo só seu. Nomeadamente que a tenha como protagonista: “Gostava de fazer uma história mais pessoal e introspetiva. Não porque ache que tenho uma vida interessante e recheada de peripécias, mas porque considero que é um desafio de autoconhecimento”.

“Pode parecer aborrecido, mas acho muito interessante a forma como cada autor retrata a sua vida. Gostava de fazer o mesmo e que alguma editora o quisesse publicar”, remata Carla. 

Enquanto isso não acontece, diverte-se a criar narrativas com super-heróis, personagens peculiares de clássicos do cinema, entre outras. Isto quando não está ocupada a gerir projetos na consultora onde trabalha.

Carregue na galeria para ver alguns dos trabalhos de Carla Rodrigues.

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