LET'S ROCKEm plena pandemia, em 2020, com o mundo fechado e a ansiedade a ocupar-lhe os dias, Jéssica Maita Landim, precisava encontrar um refúgio. Na altura com 23 anos, pegou num bordado em ponto cruz que tinha abandonado anos antes e deixou-se levar pelo ritmo repetitivo da agulha. “Peguei no bordado, comecei a ver a série “Anatomia de Grey” e recomecei. Nas semanas seguintes, a ansiedade e o medo começaram a diminuir, e o gosto pelo bordado a crescer”, recorda. O hobbie transformou-se em algo mais sério e deu origem à marca Maii Handmade, um projeto pioneiro em Portugal na arte de retratos bordados a punch needle. Esta técnica é também conhecida como ponto russo ou “agulha mágica”, — uma agulha oca que permite criar formas em alto revelo.
Filha de pais guineenses, mas nascida no Porto, Jéssica cresceu rodeada por referências culturais diversas. Antes de se dedicar a tempo inteiro às agulhas, tinha concluído a licenciatura em Gestão de Turismo e trabalhava em áreas totalmente distintas. No entanto, a curiosidade pelo bordados vinha de longe: ainda miúda aprendeu a fazer ponto cruz e, já adolescente, aventurou-se a recriar uma fotografia com o agora marido em tecido, um trabalho que demorou dois anos a concluir. Quando decidiu abrir uma página no Instagram para mostrar as primeiras peças de roupa bordadas, chamou-lhe Maii Shirts — uma junção do seu apelido Maita com “shirts”, já que na altura o foco era T-shirts e camisolas bordadas. “Ao pronunciar em inglês soava a ‘my shirts’, as minhas camisolas, e esse sentimento de pertença era exatamente o que queria transmitir”, explica.
A mudança aconteceu quando o algoritmo lhe mostrou um vídeo de punch needle, em que a agulha perfura a tela e cria pequenas argolas que dão textura às peças. “Fiquei rendida à técnica e percebi que queria experimentar. Passei a partilhar não só bordados em roupa como também almofadas, bases para copos e tote bags.” O nome mudou para Maii Handmade, e em 2021 recebeu o convite para dar o primeiro workshop. Foi também nesse ano que a sua arte chegou à televisão, num momento que descreve como decisivo: “Deu-me um boost de orgulho, percebi que aquilo que eu fazia podia interessar a mais pessoas.”
Com mais de 22 mil seguidores no Instagram, Jéssica tornou-se conhecida sobretudo pelos retratos em tons de cinza. A inspiração veio de artistas internacionais e foi adaptada ao seu estilo: “Queria algo que fosse mais do que uma ilustração digital. Procurei profundidade e realismo, e aos poucos fui aperfeiçoando o jogo de cores.” O resultado são peças únicas que parecem fotografias bordadas. Os preços variam entre 70€ e 900€, dependendo do tamanho e da complexidade, mas cada encomenda é personalizada. “Peço sempre três fotografias diferentes para poder escolher a que melhor se adapta ao bordado. Depois, transformo a imagem num padrão em punch needle e começo a trabalhar entre cinco a seis tons, do branco ao preto. Um retrato de 50×50 centímetros pode demorar quatro a cinco dias a ficar pronto.”
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A procura é tanta que a agenda de encomendas para 2025 já está totalmente esgotada. Quem quiser garantir um retrato bordado terá de esperar pela abertura de vagas para 2026, que será anunciada nas próximas semanas. Entre os maiores desafios, além do tempo exigido pelas peças maiores, está a qualidade das fotografias enviadas: “Muitas vezes são memórias antigas, de grande valor emocional, mas cuja definição não é a melhor. Nesses casos tento orientar o cliente, mas fico com pena de não conseguir eternizar o momento como gostaria.” Outro obstáculo é a questão da sustentabilidade. Jéssica gostava de trabalhar apenas com fios 100 por cento sustentáveis, mas ainda não consegue suportar os custos mais elevados. “É um caminho que quero seguir, porque acredito que também através do bordado é possível ter impacto consciente.”
Além das encomendas, a fundadora da Maii Handmade tem apostado em workshops. “Nunca pensei gostar tanto de ensinar, mas é dos momentos mais especiais. Existe uma comunidade enorme que olha para as manualidades como terapia e é inspirador ver essa troca de histórias.” Em novembro vai orientar duas formações presenciais — em Lisboa (dia 1, no Jardim Academia) e no Porto (dia 15, nos Artful Workshops) — com um tema muito procurado: retratos em punch needle. Custa 165€ e inclui almoço, materiais e um kit completo para terminar o bordado em casa. A grande novidade é que, pela primeira vez, os participantes terão acesso ao Maii Punch Needle Generator, uma ferramenta digital que converte fotografias em padrões prontos a bordar, sugere cores e calcula a quantidade de fio necessária. “É a primeira ferramenta digital criada só para punch needle e vai facilitar imenso a vida a quem quer começar”, explica.
Disponível por 9,90€ no site, o Generator permite carregar uma imagem, escolher o tamanho e o número de tons, e receber um ficheiro PDF pronto a bordar, adaptado a telas de 40×40, 50×50 ou 60×60 centímetros. É uma das apostas digitais de Jéssica, que também vende materiais como agulhas, tecidos e bastidores na sua loja online. Tudo para que qualquer pessoa possa experimentar esta técnica.
Apesar da visibilidade que já conquistou, incluindo em programas de televisão e colaborações com marcas, Jéssica mantém-se focada na essência do projeto: criar peças únicas que funcionam como memórias bordadas. “Talvez no futuro crie um espaço aberto ao público, um atelier com coffee shop e workshops, ou até retiros criativos. Mas, para já, quero continuar a explorar os retratos, talvez até a cores ou em 3D.” Até lá, as suas mãos não param. “O que mais me entusiasma é quando finalmente posso dedicar-me apenas a bordar, bordar e bordar”, confessa.
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