Cristiano Ronaldo é o futebolista com mais seguidores no mundo. Todos anseiam tirar uma fotografia com o ídolo. Mas em setembro, foi o próprio craque que endereçou um convite a Jordan Peterson. O encontro ficou registado no Instagram do jogador para os seis mais de 556 milhões de seguidores.
Esta inversão de papéis foi explicada pelo próprio Ronaldo durante a célebre entrevista a Piers Morgan. “Sou um enorme fã dele. Li o livro dele, o ’12 Regras’ e sinto que é um tipo interessante. E eu adoro conhecer pessoas inteligentes (…) Tivemos uma boa conversa estratégica, não só sobre o meu momento na vida, não só sobre futebol, porque a minha vida não é apenas futebol.”
O controverso académico admitiu que foi o jogador português quem lhe estendeu o convite. “Ele teve alguns problemas há uns meses e um amigo mostrou-lhe alguns dos meus vídeos. Ele viu-os e acabou por ler um dos meus livros. Sentiu que o ajudou imenso e quis falar comigo”, anotou também Peterson, numa entrevista ao mesmo Piers Morgan.
Não é nenhuma surpresa que Cristiano Ronaldo seja um dos muitos seguidores de Peterson, cuja legião de fãs é sobretudo masculina, fruto naturalmente do seu posicionamento público que lhe tem valido amores e ódios. Psicólogo clínico e investigador, o canadiano de 60 anos formou-se numa das mais prestigiadas universidades do país, deu aulas em Harvard e aterrou na universidade de Toronto.
Especializou-se no estudo da personalidade e produziu dezenas de estudos, mas nunca ultrapassou a barreira da academia. Era um nome bem estabelecido entre os seus pares — pouco mais. Tudo mudou em 2016, quando saltou para o centro de uma discussão pública promovida pelo governo canadiano. Hoje tem mais de seis milhões de seguidores, do YouTube ao Instagram, e com dois best sellers no bolso, corre o mundo a dar palestras — e irá fazê-lo pela segunda vez em Portugal, em Lisboa e no Porto, a 24 e 25 de abril.
Nessa mesma altura, os políticos canadianos debatiam a aprovação de uma lei que combateria a discriminação motivada por questões de identidade de género, de forma a atualizar a lei do discurso de ódio. Os apoiantes aplaudiram. Do outro lado da barricada, criticava-se a ameaça que isso poderia constituir à liberdade de expressão.
Um dos argumentos-chave focava-se no uso dos pronomes com os quais cada um mais se identifica — e se o uso dos pronomes errados poderia ser penalizado ao abrigo dessa mesma lei. Vários juristas e advogados certificaram que não: que apenas o uso reiterado e propositado do pronome errado, com vista a discriminar, é que poderia, eventualmente, ser punido.
Os críticos ignoraram os detalhes e carregaram no argumento. À cabeça surgiu Jordan Peterson, um eloquente académico que se tornou na voz de todos os que viam na nova lei uma ameaça. Os seus vídeos no YouTube sobre o tema tornaram-se virais. Neles, Peterson era perentório: não iria, em momento algum, usar os pronomes preferidos dos seus alunos transgénero. “Se me multarem, não vou pagar. Se me prenderem, farei uma greve de fome”, anunciou. “Não vou usar as palavras que outras pessoas exigem que eu use. Sobretudo se essas palavras são inventadas por ideólogos da extrema esquerda.”
Mais do que se explicar em longos vídeos no YouTube, Peterson foi ainda mais longe e deu a cara em protestos e até no campus da sua universidade. Mostrava-se destemido e sem problema em enfrentar as questões, mesmo em ambientes mais exaltados. A sua eloquência e capacidade argumentativa tornaram-no numa estrela, numa voz que dizia o que todos os outros não tinham capacidade de dizer.
Esta frente de batalha tornou-o numa das figuras mais odiadas pela comunidade trans — Peterson sabia-o e navegou a onda que lhe trazia mais atenção e, naturalmente, cada vez mais donativos e convites.
Em 2017, James Damore , um funcionário da Google, ficou em maus lençóis depois de ver revelada uma circular assinada por si onde criticava os esforços da empresa na promoção da diversidade. Acabaria por ser despedido e a sua primeira entrevista foi dada nada mais nem menos do que a Jordan Peterson. Os discursos de ambos alinhavam-se na perfeição.
O estatuto de celebridade colocou em risco o cargo de Peterson na universidade de Toronto. Chegou a receber várias advertências da direção por causa das suas posições, mas manteve-se sempre inflexível. “Não vou ceder território linguístico a estes neo-Marxistas pós-modernos”, afirmou.
A relação com a universidade haveria de ser terminada pelo próprio no início de 2022. Explicou detalhadamente os motivos que o levaram a abandonar a instituição. “A terrível ideologia da diversidade, inclusão e equidade está a demolir a educação e os negócios”, escreveu num texto publicado no “National Post”. Nele, defendia que os seus estudantes “homens brancos heterossexuais”, “soberbamente qualificados” têm “uma reduzida chance de lhes verem ser oferecidas posições de investigadores”. A culpa é daquilo a que chama DIE, acrónimo de diversidade, inclusividade e equidade.
A sua legião de fãs é naturalmente composta por homens brancos, heterossexuais — Peterson transformou-se num defensor público do grupo. Recusa a tese do “privilégio do homem branco”, acena com a ameaça do “comunismo do estilo soviético” e do marxismo perante o capitalismo, critica o feminismo, a comunidade transgénero.
Embora o continue a negar, é um facto que as suas teses têm atraído franjas da violenta extrema direita. Em Toronto, vários protestos a favor dos direitos trans foram recebidos com violência. O discurso contra o “politicamente correto”, a negação da existência de qualquer tipo de privilégio por parte de uma classe parece fazer sentido para muitos — sobretudo homens, que compõem cerca de 80 por cento da sua audiência digital. Paradoxalmente, é nas suas palavras que vai nascendo o sentimento de injustiça, de que os homens brancos heterossexuais estão, agora, sob ameaça, alegadamente preteridos e discriminados por políticas de inclusão e diversidade.
Rejeita o rótulo que lhe querem colar de figura da chamada “alt-right”, a nova extrema direita, e assume-se como um “clássico liberal britânico”. Mas é como uma espécie de guru da auto-ajuda que se tem financiado através das vendas dos seus livros — best sellers que vendem milhões de cópias — e de palestras que o levam a correr o mundo. O seu “12 Regras para a Vida” tornou-se num manual para jovens a braços com aquilo a que muitos chamam “a ansiedade do homem branco”.
Da depressão ao suicídio
Apesar de entregar aos seus leitores um “Antídoto Para o Caos”, Peterson revelou que ele próprio mergulhou numa espiral de drogas e pensamentos suicidas. numa entrevista ao “Sunday Times” em 2021, falou sobre a amnésia que viveu entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020. “Não me recordo de nada”, explicou.
Tudo começou com a adoção de uma rigorosa dieta à base de carne e vegetais. “Ele não se conseguia manter de pé sem perder os sentidos. Achava que o mundo ia acabar. Não dormia”, revelou a sua filha Mikhaila. Começou a tomar antidepressivos, mas a dosagem foi aumentando, sobretudo depois de a sua mulher ter sido diagnosticada com um cancro.
“Todos os dias havia uma crise de vida ou morte. Foi assim durante cinco meses.” A mulher conseguiu vencer a luta contra o cancro, mas a dependência de Peterson aumentava.

Os sucessivos tratamentos no Canadá e nos Estados Unidos não surtiram efeito. Acabaria por ser internado em Moscovo, diagnosticado com uma pneumonia e colocado em coma induzido durante cinco dias, para que o sistema pudesse livrar-se das drogas. Quando acordou, deixara de falar, de andar, perdera parte da memória. “Ele estava catatónico, estava muito, muito mal. Delirava”, contou a filha.
O estado da sua saúde mental deteriorou-se nos meses seguintes, enquanto estava no centro do furacão, ao ser regularmente descrito como “um ícone da supremacia branca e do discurso de ódio”. “Estava preocupado com a minha família, com a minha reputação, com a minha profissão. As autoridades tributárias canadianas andavam atrás de mim, tornaram a minha vida miserável por algo que admitiram ser um erro”, contou.
As frases polémicas
Num vídeo partilhado em 2018, Peterson gizava a seguinte ideia polémica: as feministas apenas apoiam os direitos dos muçulmanos por causa “do seu inconsciente desejo por um brutal domínio masculino”. Apesar da sua habitual eloquência, o discurso do académico é pontuado por visões radicais.
Entre os seus seguidores fanáticos surgiu um movimento de incels, termo usado para descrever “celibatários involuntários” — um grupo que se vê como injustiçado por ser incapaz de atrair mulheres, parceiras, e cujo discurso acaba inevitavelmente por degenerar em discurso de ódio, violento e misógino. Em 2018, um jovem canadiano usou a sua carrinha para matar dez pessoas.
Alek Minassian fazia parte desse grupo e Peterson falou sobre o tema. “Ele estava zangado com Deus porque as mulheres o rejeitavam”, atirou. “A cura para isso é a monogamia forçada. É precisamente por isso que emergiu a monogamia.”
É nestes grupos de jovens brancos que se sentem marginalizados que as suas teorias florescem. A violência nunca está muito longe. Há longos e variados relatos, feitos pelos seus críticos, que se veem perseguidos e ameaçados de morte. Peterson tem noção do seu poder.
“Hoje estava a ler alguns artigos nos jornais que me acusam de atiçar os meus trolls da Internet nos pobres jornalistas. E o meu lado sombrio pensou: ‘Se eu quisesse atiçá-los ao Channel 4, não restaria nada lá a não ser vidros partidos e motins. Parte de mim pensa: não seria isso divertido?’. E é nesse ponto que estamos”, revelou em entrevista.
“Eu sou uma pessoa razoável. Tenho esses pensamentos, presto-lhes atenção porque fazem parte de um subconsciente coletivo. São a parte sombria. E quando há uma parte de mim que pensa que isso seria delicioso, há muita gente que não pensa nisso de vez em quando, mas sempre, e acredita que essa poderá ser a resposta e a reação correta.”
Mais recentemente, Peterson viu-se banido do Twitter depois de um comentário que visava Elliot Page. “Recordam-se de quando o orgulho era pecado? E depois os seios da Ellen Page foram removidos por um médico criminoso”, escreveu num tweet que deu origem à ameaça de remoção da sua licença de psicólogo pela Ordem de Psicólogos Canadianos.