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O jovem portuense que quer eternizar o património da cidade através do urban sketching

“Rabiscar o Porto” é o projeto pessoal de Vasco Mota, que procura ensinar e promover o lado criativo da comunidade local.
A Ponte Luiz I e a cidade do Porto, pelos olhos do artista Vasco.

É provável que já tenha ouvido falar desta corrente artística. Em resumo, o urban sketching é a prática de desenhar, por exemplo, num sketchbook, o que vemos à nossa volta. Não envolve obrigatoriamente cidades ou ambiente urbano, mas o ato de capturar uma visão pessoal do seu mundo mais próximo ou dos lugares por onde passa.

A técnica é usada sobretudo para documentar certas experiências pessoais, como se de um diário se tratasse. Há criativos que a usam como método de junção das ideias que vão surgindo enquanto observam o que os rodeia. Já há outros profissionais que observam a cultura de uma cidade, mergulham nela e criam ilustrações que podem virar quadros ou entrar até em livros.

É o caso do jovem portuense Vasco Mota, de 25 anos, que se tem destacado no panorama cultural portuense com o seu projeto “Rabiscar o Porto”. O objetivo é reunir pessoas interessadas em ilustrar in situ, locais da cidade do Porto.

A NiP falou com o artista para saber mais acerca do seu percurso. Leia a entrevista na integra.

Como surgiu o gosto pela arte? 
O meu percurso no mundo artístico começou quando tomei a decisão de estudar artes visuais no ensino secundário, apesar de, na altura, não ter o hábito de desenhar ou criar, contrariamente ao que seria esperado. A paixão por ver e criar arte surgiu ao longo do meu contacto com este mundo e foi impulsionada pela licenciatura e pelo mestrado em Design de Comunicação pela ESAD de Matosinhos.

E quando é que percebeu que o urban sketching era a sua “cena” artística?
Considero-me uma pessoa curiosa, criativa e sem medo de errar, o que me fez experimentar o urban sketching de forma descontraída. Acredito que conhecer novos artistas e diferentes técnicas e abordagens foi o que me permitiu evoluir no mundo da ilustração e deste tipo de desenho urbano in situ que, no início, considerava um hobby mas que, aos poucos, se vai tornando, cada vez mais, em algo sério.

Vasco nunca sai de casa sem o seu diário gráfico e ilustra, acima de tudo, através da técnica da aguarela, tudo aquilo que vê. Desde simples casas, paisagens urbanas e naturais, pormenores dos espaços que vai visitante e claro, o património da cidade do Porto, onde nasceu e ainda mora.

No universo do urban sketching existem muitos estilos diferentes de ilustração. Contudo, todos consistem em dois componentes essenciais, que são a observação pessoal e a interpretação do que é desenhado. Nesse sentido, os desenhos que são partilhados acabam por ser um registo do tempo e do lugar onde o artista se encontra, sendo que aquilo que é apreciado, deve ser partilhado com veracidade.

A “alma” de levar este tipo de diário visual é que, quem vê os desenhos, mais tarde no tempo, será transportado para todas as sensações e memórias do que foi vivido em determinado lugar. Além disso, trata-se de uma forma de democratizar a arte, tal como Vasco defende. 

Vasco Mota, artista e fundador do projeto “Rabiscar o Porto”.

Como é que surgiu o projeto “Rabiscar o Porto”?
Com a falta de realização de eventos que unissem os apaixonados pelo desenho — e também aqueles com curiosidade em começar — em 2021 surgiu a ideia de desenvolver um projeto intitulado “Rabiscar o Porto”, com o objetivo de reunir pessoas interessadas em ilustrar in situ locais da cidade do Porto.

E qual é o seu principal objetivo com este projeto artístico?
Queria que estes encontros fossem o local ideal para qualquer pessoa poder desenhar sem medos e que essa experiência fomentasse a troca de ideias, abordagens e experiências entre os participantes. Inicialmente, os encontros eram espontâneos e apenas publicitados nas minhas redes sociais com data, local e hora. Em 2023, a Ágora — Cultura e Desporto do Porto, acolheu o projeto e inseriu-o em vários eventos importantes da cidade como, por exemplo, o Dia Nacional dos Centros Históricos. Mais recentemente, levei o projeto para dentro dos cafés do Porto, juntando várias pessoas à mesa num momento de convívio que pretende ser um ambiente de partilha e criação de forma descontraída.

Na hora de desenhar, qual é o seu maior desafio?
Todos os meus desenhos são feitos no próprio local em que estou a ilustrar e, maioritariamente, no exterior. Tal faz com que as condições meteorológicas tenham um grande peso na hora de desenhar. Não só a chuva, como também o calor e o frio, são, muitas vezes, desafiantes durante o processo. Além disso, a aguarela reage no papel de formas diferentes consoante a temperatura. Quando está muito calor, a tinta é muito rápida no processo de secagem e isso faz com que, mais facilmente, se notem as marcas de cada pincelada no papel. Já com o frio, a tinta da aguarela e da caneta demoram mais a secar, o que pode atrasar o processo da ilustração.

E qual seria a sua parte favorita?
É, sem dúvida, o momento de colorir a ilustração. Gosto muito de ver o desenho a “ganhar vida” e sinto-me muito confortável em aplicar as diferentes cores no papel.

A Capela das Almas, por Vasco Mota.

As redes sociais e demais plataformas digitais são uma grande ferramenta para artistas emergentes começarem a exibir o seu trabalho, sendo que o Instagram é a plataforma favorita de Vasco quando se trata de divulgar a sua arte. É por lá que partilha com maior frequência o seu processo de trabalho, bem como os projetos em que está envolvido.

É através desta rede social que as pessoas interessadas podem adquirir as ilustrações do artista urbano e fazer encomendas de desenhos personalizados. No futuro, Vasco pretende criar um site, de modo a tornar mais acessível a compra e venda do seu trabalho.

Foi sobretudo graças às suas partilhas no Instagram, que o jovem artista recebeu um convite do Gallery Hostel Porto, conhecido alojamento na cidade, para integrar o seu trabalho numa exposição por todos os espaços e áreas comuns da unidade hoteleira.

Como surgiu o convite para integrar o seu trabalho no GH Porto?
O convite surgiu de uma forma muito natural. O Gallery Hostel já acompanhava o meu trabalho nas redes sociais e questionaram-me se estaria interessado em expor no seu espaço. Óbvio que não podia recusar esta oportunidade. O trabalho artístico funciona muito através do “passa a palavra” e estou certo que muitas pessoas e entidades vão conhecer o meu trabalho e começar a acompanhá-lo a partir desta exposição.

A exposição “Lugares com Cor” foca-se nos diários gráficos do artista. Cada ilustração captura o espírito de lugares singulares do Porto, desde casas antigas a paisagens urbanas e até comida, todos retratados com uma mistura de marcadores de ponta fina e aguarela. Vasco acredita que esta prática permite que as imagens permaneçam eternamente impressas naquelas páginas, preservando a essência do momento para sempre.

Esta mostra pode ser visitada até ao dia 14 de novembro, no que pretende ser uma verdadeira viagem através dos olhos do Vasco, onde os visitantes poderão sentir a alma e a cor dos locais mais emblemáticos do Porto, através da perspetiva única de um dos talentos emergentes da ilustração contemporânea portuguesa.

A exposição do Vasco no Gallery Hostel Porto.

Além das suas ilustrações de desenhos diários gráficos, Vasco dedica-se à ilustração ao vivo em casamentos e à realização de workshops. A sua paixão pela arte e pela cidade do Porto está sempre presente no seu trabalho, refletindo o seu amor pelas ruas, paisagens e detalhes desta cidade. 

E agora falando um pouco da sua cidade. Qual é o seu spot favorito do Porto?
Não podia deixar de referir a zona do Bonfim. As casas coloridas com os azulejos típicos da cidade não passam despercebidos e é, sem dúvida, o meu local favorito para desenhar.

E qual é o seu espaço cultural de eleição?
Acredito que o espaço Maus Hábitos seja um dos mais completos da cidade ao nível cultural — para não falar da forte área da restauração. Este espaço desenvolve frequentemente exposições e mercados de arte, permitindo que os artistas da cidade exponham as suas obras, se conheçam pessoalmente e troquem ideias.

E um restaurante que não se cansa de visitar?
Um dos poucos locais que ainda mantém a essência portuense é a Casa Expresso e, por isso, é o meu restaurante de eleição na cidade. Aconselho a experimentarem a famosa sandes de rojão.

Qual é a sua atividade favorita para fazer no Porto?
Perto da Casa Expresso, encontra-se a rua de Miguel Bombarda, zona conhecida pelas várias galerias de arte e um dos mais importantes núcleos culturais do Porto. Gosto muito de passear por esta rua, entrar nas galerias e cafés e ver o trabalho de outros artistas. 

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