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Xabier Díaz: “Quando vou de férias, procuro vir a Portugal porque gosto muito do País”

Músico galego prepara-se para atuar no Coliseu do Porto a 4 de junho, num espetáculo que incluirá um grupo da cidade.
Fotografia de divulgação.

É já no próximo domingo, 4 de junho, que o Novo Ático, no Coliseu do Porto, vai receber um concerto de um dos mais conceituados músicos tradicionais galegos, Xabier Díaz. Em palco, vai atuar com as Adufeiras de Salitre, mas também com o grupo portuense Crua.

Nesta apresentação ao vivo, Xabier Díaz vai debruçar-se sobretudo no último disco, “As Catedrais Silenciadas”, lançado em plena pandemia. Este trabalho é o mais recente de uma trilogia criada precisamente com as adufeiras, o que torna o projeto mais especial para o músico.

A carreira do artista galego conta com quase quatro décadas, num percurso que começou pela gaita de foles e que se tem centrado nos últimos anos na recuperação da música tradicional galega e em não deixar que se perca esse património. Em Portugal, esta não é a primeira vez que se apresenta, sendo que além do concerto no Porto terá outro em Lisboa, a 26 de setembro.

A New in Porto esteve à conversa com o artista para descobrir mais sobre os concertos que aí vêm e os projetos que tem em curso.

O que é que pode dizer-nos sobre estes concertos em Portugal e, sobretudo, este no Porto que é o primeiro?
Sobretudo, tenho muita vontade de tocar numa terra que nos seja, por um lado, tão familiar, tão próxima geograficamente, tão próxima — no nosso caso — idiomaticamente porque os galegos e os portugueses falam o mesmo, ainda que muitas vezes nos empenhemos em que não seja assim. Também estou muito entusiasmado por comprovar que receção tem a nossa música em Portugal. Não é a primeira vez que tocamos aqui, mas estou muito entusiasmado com os concertos deste ano.

O que é que o público pode esperar?
Pode esperar música tradicional ou folk galega, que tem de alguma maneira a raiz na própria terra, mas que respira os ares do século XXI, que é o tempo em que nos tocou viver.

Quais são as diferenças que nota entre a música galega e a portuguesa?
Noto diferenças mas também muitas semelhanças. Talvez note mais diferenças não no fundo mas sim na forma, provavelmente no timbre, num certo tipo de instrumentos que arreigaram a nossa música popular e a música popular portuguesa, que está muito colorida pelas cordas dos cavaquinhos, das guitarras portuguesas. A nossa é uma música tradicional e popular em que a gaita de foles e os instrumentos de percussão de mão, que sobretudo tocavam as mulheres, se tornou realmente importante e de alguma maneira acentuou muito o nosso folclore.

Nestes concertos vai ter em palco também as Adufeiras de Salitre, não é?
Sim, para o ano que vem fazemos dez anos juntos. Tudo começou de uma maneira quase casual porque a ideia não era estar tanto tempo a trabalhar juntos, mas realmente a fórmula funcionou muito bem, houve muita química e cumplicidade, muita generosidade de ambas partes. No final, temos percorrido uma parte importantíssima da Europa com este projeto, também o resto da Península Ibérica. É a sorte de associar-me com quem seria difícil agora dissociar-me. Acredito que todo o projeto ganhou muita solidez nestes dez anos de travessia.

O grupo está junto há quase dez anos.

Em que é que este projeto se diferencia de outros?
Talvez, o que o torna diferente são precisamente elas. O facto de nos apresentarmos no palco com um ensemble de mulheres que tocam percussão de mão e que cantam, que de alguma maneira também refletem o que era a nossa própria tradição, que foi passada de geração em geração precisamente pelas mulheres. Talvez isso é que torne o projeto diferente, em algum lugar do mundo até mesmo exótico. Hoje em dia, nos tempos que correm na música, isso é algo tremendamente positivo. Além de ser um problema ou que faz diferenciar-te, o projeto tem um ADN e uma personalidade diferente e muito definida também.

E sobre o último disco, o que nos pode dizer?
O último disco chama-se “As Catedrais Silenciadas” e fala de todo o património imaterial que se perde quando as pessoas mais velhas morrem e, sobretudo, da reflexão de não prestar demasiada atenção precisamente a esse fenómeno. Em contraposição, por exemplo, com a Catedral de Santiago de Compostela, que é uma joia da arquitetura do nosso País e que merece todas essas atenções, esses cuidados e esses carinhos. Queria de alguma maneira brincar com essa metáfora e fazer refletir sobre o facto que muitas vezes sim é verdade que pomos um foco sobre elementos fundamentais do património material mas não tanto do património imaterial. O património imaterial é importantíssimo para construir a idiossincrasia de um povo. De alguma maneira queria jogar com isso, daí “As Catedrais Silenciadas”, que são todas essas memórias que vão esmorecendo nas pequenas aldeias e com elas, de alguma maneira, também morre uma parte da nossa maneira de ser.

Qual é a sua relação com Portugal?
É muita. Em primeiro, é um lugar onde sempre me senti muito bem, sempre me pareceu muito familiar. O pai da minha companheira é português, por isso tenho relação também por aí. Tenho muito bons amigos em Portugal. Quando tenho tempo para tirar férias, procuro viajar para Portugal porque gosto muito, tanto da costa como do interior. Unem-me muitas coisas, a admiração pela música em geral, há muitos anos.

Para quem não o conhece, o que diria sobre si e o seu trabalho?
No início, dediquei parte da minha juventude, por um lado, ao ensino, precisamente dos instrumentos de música tradicional, e por outro lado à investigação na primeira pessoa pelas pequenas aldeias do meu país com um gravador e uma câmara de vídeo, com os que fui gravando durante muitos anos senhoras e senhores que ainda guardavam todo esse acervo da música tradicional na sua memória. A partir daí e de uma trajetória longa que passou por várias bandas de música folk, o que fiz de alguma maneira foi projetar a minha visão contemporânea sobre aquelas músicas que eu mesmo gravei naqueles tempos. O que faço agora é respirar de novo aquelas músicas que gravei, de todas aquelas senhoras e senhores. Faço-o de uma perspetiva nova, desde a minha própria ótica, da minha maneira de ver a música, mas com essa escola. De alguma maneira, foi a minha universidade.

Atualmente, tem o projeto com as Adufeiras de Salitre.
Sim, esse é o projeto que ocupa o meu tempo praticamente todo. Fizemos com que o projeto se convertesse na primeira, na segunda e na terceira das nossas opções. Nesse sentido, não tenho um plano B, aproveitei e apostei tudo neste projeto, que é um projeto coral grande. Muitas vezes, quando convivem vários formatos, o perigo é que dado os tempos que correm acabem sempre por escolher os formatos pequenos. No meu caso, desde o princípio achei que deveria apostar tudo neste formato grande, em respeitar de alguma maneira a filosofia dos três discos, que foram feitos assim. Essa foi a minha aposta desde o princípio e a verdade é que estou muito contente com a resposta. Já demos mais de 400 concertos desde que começámos em mais de 20 países do mundo. Nesse sentido, sinto-me muito convencido de que aquela decisão de apostar num formato grande e arriscado foi boa.

E para o futuro, o que está a preparar?
Estou a preparar um novo disco, provavelmente também com as Adufeiras e com alguma pequena mudança, uma espécie de metamorfose, estou a trabalhar nisso. Com muita calma porque, a mim, fazer música leva muito tempo, preciso de voltar aos textos e às músicas uma e outra vez, rever, corrigir pequenas coisas. Leva-me muito tempo a compor.

Há algo mais que queira dizer-nos?
Neste caso, vai estar também um ensemble de adufeiras, as Crua, umas raparigas do Porto, no concerto do Porto, para de alguma maneira nos misturarmos, juntar os nossos sons e demonstrar que o Rio Minho é um tipo de artéria que nos une e não algo que nos separa. Tenho muita vontade de ir tocar a Portugal, vamos com muita alegria.

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