Partir à descoberta de outros cantos do mundo é sempre uma experiência memorável. Viajar com um propósito, é ainda melhor. E pode mesmo ser algo profundamente transformador — foi o que aconteceu com Márcia Monteiro, quando decidiu que só precisava da sua própria companhia para o fazer.
Natural de Santa Maria da Feira, Márcia tem 35 anos e desde pequena que adora viajar. É professora universitária de Gestão e Marketing no Porto e, quando não está a trabalhar, é provavel que esteja a milhares de quilómetros de Portugal.
“Já desde miúda que viajava com a minha família, mas enquanto turista. Costumo fazer esta diferenciação entre turista e viajante. Os viajantes passam por toda a experiência de um país, conhecem os locais e a cultura”, começa por contar à NiT. Márcia deixou de ser uma turista e passou a ser uma viajante há precisamente sete anos, quando fez a sua primeira viagem a solo. Na altura não imaginava que seria a primeira de muitas.
“Houve uma altura da minha vida em que estive numa situação em que só podia tirar férias em março, um mês em que não se costuma tirar férias. Como não tinha ninguém para ir comigo, fui sozinha. Passei a ser viajante porque comecei a viver as viagens com outro propósito”, revela. A primeira aventura a solo não foi em Espanha ou França. Nem sequer na Europa. O destino que marcou um ponto de viragem na sua vida foi a Índia.
Mesmo depois de amigos e familiares a terem alertado para não ir, devido aos potenciais riscos e perigos, Márcia não os ouviu — ou melhor, não os quis ouvir. Se foi “por ser ingénua”, ou por estar “na flor de idade”, já não sabe. Com 24 anos, não ligou ao que lhe disseram, decidiu que iria na mesma e foi.
“A partir daí, tomei a decisão de começar a viajar mais vezes sozinha. Não por falta de companhia, mas por opção. No mínimo uma vez por ano, tento sair do País para destinos geograficamente e culturalmente distantes”, diz. Afinal, não há nada como estar completamente sozinhos no outro lado do mundo e fora da nossa zona de conforto para crescer enquanto pessoas e vermos a vida com outros olhos.
Mesmo viajando sozinha, admite que nunca se sentiu insegura: “Já passei por algumas situações, mas nada de especial. Na Tailândia, por exemplo, fiquei com um taxista que se perdeu e não falava inglês. Na Zâmbia sofri uma pequena tentativa de assalto que não se concretizou porque me consegui defender”. Confessa que tudo o que lhe pode acontecer no outro lado do mundo, mesmo os sítios considerados mais perigosos, também pode acontecer aqui em Portugal.
Por esse motivo, os cuidados são sempre os mesmos, independentemente da cidade. “Tento sempre estar em sítios onde existem mais pessoas, não sair a partir de determinada hora da noite, porque em alguns países pode ser efetivamente perigoso. São cuidados a ter no dia a dia, não apenas por estar em viagem”, revela.
Márcia já viajou para tantos países que deixou de os contar, mas sabe que foram mais de 80. Sozinha — apenas com a companhia da comunidade local — conheceu o Zimbabué, Colômbia, Bolívia, Tailândia, Vietname, Tanzânia, Chile, Argentina e muitos mais. Em todos eles, saiu de lá uma pessoa diferente. “A Índia foi o país onde senti uma maior diferença cultura. Normalmente não repito destinos turísticos e o único que repeti foi a Índia. Quando fiz essa primeira viagem sozinha, a transformação foi tão grande que senti que precisava de vivê-la outra vez”, revela.
O livro “A Magia das Viagens”
No dia 15 de agosto deste ano, precisamente no dia em que chegou pela segunda vez à Índia, foi publicado o seu primeiro livro: “A Magia das Viagens”. À primeira vista, pode dar a entender que é sobre roteiros e percursos, mas é muito mais que isso. “O livro é totalmente focado na transformação pessoal que vivi. Senti que me tornei numa pessoa mais corajosa, resiliente, atenta e solidária. Quando estamos em contacto com realidades tão diferentes da nossa ficamos mais atentos aos problemas do mundo”, sublinha.
Não é só sobre destinos, mas principalmente sobre quem nos tornamos quando viajamos. “O conhecimento mais valioso que estava a adquirir não era sobre os países, mas sim sobre coragem, audácia, amor-próprio e resiliência. Tornei-me numa pessoa mais forte porque aprendi a lidar com diversos desafios e julgo menos. Quando estamos em contacto com realidades tão diferentes, passamos a julgar menos e a questionar mais”, diz.
Começou a escrever o livro há cerca de cinco anos, muito por incentivo dos amigos e familiares. Como fazia algumas publicações nas redes sociais, começaram a dizer-lhe que devia criar um blogue porque “deliravam com aquilo que partilhava”. Contudo, preferia fazer algo mais palpável, e começou a escrever praticamente em segredo.
Em cada uma das suas viagens, onde todos os dias eram diferentes, havia algo que nunca mudava: no final do dia, regista à mão as pessoas que conheceu, as conversas que teve, as experiências que viveu e o que aprendeu com tudo aquilo. “Tenho medo de não me lembrar dessas coisas no futuro, então escrevia e continuo a escrever tudo no próprio dia, não dou margem para esquecer as ideias. Sai mesmo tal e qual estou a sentir no momento”, confessa.
Ao longo das 272 páginas do livro, que está disponível online por 16€, relata alguns episódios por que passou durante as suas aventuras pelo mundo. Cada capítulo é dedicado a um país específico e no primeiro descreve como foi ir sozinha, pela primeira vez, à Índia. “As pessoas andam descalças na rua, andam sujas. A primeira coisa que pensamos é que são pessoas pobres, mas depois fui-me apercebendo que, apesar de não terem as condições económicas que nós entendemos ser as ideais, vivem com aquela realidade e está tudo bem. Para mim, que estou habituada a uma realidade diferente, aprender a aceitar isso e a estar bem com essa realidade foi um processo difícil”, conta a autora.
Enquanto viajava a solo, chegou a participar em dois programas de voluntariado, um no Vietname e outro no Camboja, que também são mencionados na obra. No primeiro país, trabalhou numa cantina comunitária onde preparava refeições para a população mais desfavorecida. No Camboja, foi para uma vila muito remota, perto da fronteira com a Tailândia, e dei aulas de inglês numa escola para crianças com necessidades. “Aquilo que sentimos depois de sabermos que estamos a ajudar uma causa tem um valor incalculável. É um sentimento de gratidão”, descreve.
Márcia selecionou os 10 países que considera os mais transformadores. Em cada capítulo descreve coisas que aconteceram nesse local e o que aprendeu com esses episódios. No livro há ainda vários desafios para que os leitores também possam experienciar algo semelhante e, de certa forma, “sentir esta transformação”.
Mais do que influenciar outras pessoas a viajarem sem medos, mesmo sozinhas, Márcia gostava que começassem “a viajar com um propósito”. Quando se vai para um país diferente com a intenção de aprender alguma coisa, em vez de ir apenas ver os pontos turísticos, isso dá um significado diferente à viagem.
“Já visitei quase todos os países da Europa devido à proximidade, mas não guardo grandes memórias das viagens. Sei que fui à Torre Eiffel e ao Big Ben, mas não me aconteceu nada. Continuei a mesma Márcia. Mas se me perguntarem os sítios que visitei na Índia, consigo descrever tudo: onde fui, com quem falei. Às vezes, até parece que ainda sinto os cheiros, ou ouço os ruídos das buzinas. Tudo isso está presente na minha memória porque foram viagens com propósito.”
De seguida, carregue na galeria para ver algumas fotografias de Márcia Monteiro nas suas viagens a solo.